Semanas atrás, o grande Antonio Risério teve a generosidade de recomendar meu livro Contra a vida intelectual, ou iniciação à cultura aos seus leitores:
A Revista Esmeril, que já havia publicado uma entrevista comigo, saiu-se na última semana com um depoimento imperdível de Bruna Torlay. Ela toma meu livro como ponto de partida para a narrativa de suas poucas venturas e muitas desventuras no mundo da docência on-line assistida por uma equipe de marketing digital. Seu relato se dirige principalmente a outros professores e “criadores de conteúdo”: “Se debaixo de tantos filtros ainda sobrou alguma coisa de você, colega influenciador e professor digital, o seu coração certamente será tocado” por Contra a vida intelectual. Esse livro seria a “única interlocução sincera, realmente sincera, corajosamente sincera, de que dispomos no preciso presente”.
A sinopse que Bruna faz de sua parceria com a equipe de marketing é muito expressiva. A situação se tornaria insustentável e o rompimento, inevitável:
O início [da parceria] foi ótimo, mas logo se tornou insuportável. A parceria durou menos de um ano e o trato com o discurso dos milhões sobre os quais eu, supostamente, estaria sentada era fatigante para mim, que tenho desde moça a consciência das especificidades da atividade docente no ambiente que é o nosso. Eu comecei a vida como encadernadora. Depois, passei a tradutora. Imaginem vocês se não era deprimente ouvir todos aqueles conselhos psicológicos sobre o quanto “eu merecia ser rica” de quem esperava ganhar dinheiro me transformando em algo parecido com um coach voltado a “dores intelectuais”. A gota d’água foi terem me indicado, como modelo para “ampliar o engajamento no Instagram”, de modo a aumentar as vendas, uma picareta a mais na fila dos vendedores de autoimagens artificiais, forjadas segundo o padrão produtivo das novelas globais. A justificativa: ela fazia milhões. Com a doçura e o amor à etiqueta que me são característicos, sugeri à boa conselheira que a dona dos milhões os enfiasse naquele lugar. Literalmente. Foi a única reunião realmente produtiva daquela última fase.
Conversarei com a Bruna sobre o livro nesta quinta-feira (30) às 18h30. A transmissão ocorrerá no canal dela no YouTube (acesse o link e ative a notificação).
Rafael Falcón, por cuja sensibilidade literária tenho a mais alta admiração, escreveu em uma de suas redes:
O estilo mesmo do livro do Ronald mostra claramente a diferença entre intelectual e influencer: desde a modéstia no "ethos" imposta pela autoconsciência literária, até as referências bibliográficas, que podem ser esquisitas para muitos, mas revelam uma vida de estudos autêntica, independente dos autores "em voga".
Porém, na substância do pensamento, na sinceridade existencial, que transparece mesmo num livrinho leve como este, é que se revela o aluno de Olavo de Carvalho. Nunca esqueci que o olavismo produziu pessoas sérias, mas é um alívio poder experimentá-lo de vez em quando.
A palavra “sinceridade” tem aparecido com alguma frequência nas reações ao livro que chegam até mim. Isso me anima; indica que consegui em alguma medida mostrar a importância intrínseca do problema em discussão, sem me arrogar superioridades supérfluas. Falo dos problemas que hoje cercam a vida intelectual no Brasil porque eram problemas que diziam respeito não só aos outros, aos quais lançaria condenação fatal e sobranceira, mas também a mim.
Michael Amorim publicou o artigo “Contra a vida intelectual: um convite à sinceridade”. Insistiu aí principalmente em dois aspectos do livro: a busca da autenticidade e o resgate de uma experiência mais concreta da vida, que, antes de ser vida intelectual, é simplesmente vida. Anota ele:
O livro do Ronald nos lembra de algo que o conforto intelectual, a panelinha marketeira, as ideologias e os ideais — por mais nobres que sejam — nos fizeram esquecer: a importância de desesperar-se. Viver é sentir-se perdido, afinal.
Em alguns momentos senti-me lendo Ortega y Gasset em sua tentativa de trazer a filosofia, que alçou vôos altos demais, de volta para a vida concreta, do homem real, de carne e osso; em outros, lendo a enigmática prosa poética de Ângelo Monteiro nos recordando que “o Alto está embaixo. E se não olhássemos primeiro o abaixo, jamais atingiríamos o acima”. A condição humana, demasiada humana, é manter “O sentido da Terra e os olhos puros no céu”. É o que nos diz o poeta e o que perpassa todo o livro do Ronald.
Ao falar sobre a armação literária do Contra, Michael observou que
o autor não apresenta os temas de forma linear, num eixo que segue estático de baixo para cima, não; sua pena nos conduz de baixo para cima, da esquerda para a direita, da direita para a esquerda e de cima para baixo. Percurso típico da autêntica reflexão filosófica. Reflexão que, como nos mostra o Caduceu, símbolo tradicional da divindade astral Mercúrio, é movimentação em espiral firmada, mas não definida, por uma linearidade lógica.
Josias Teófilo escreve em sua coluna na Revista Crusoé sobre “A teologia da prosperidade intelectual”, texto no qual, ao resenhar meu livro, destaca que “a ideia de que a vida de estudos ou vida intelectual traz naturalmente o sucesso material não se sustenta”. Isto é:
Ronald chama de teologia da prosperidade intelectual a ideia de que a vida de estudos ou vida intelectual traz naturalmente o sucesso material. Pode parecer estranho para quem não frequenta esse meio, mas essa ideia de fato foi bastante difundida por influenciadores, e por um motivo específico: na venda online de cursos é necessário mostrar um benefício palpável para aquele que compra. Nesse sentido, parece um esquema de pirâmide: a pessoa compra um curso porque quer se educar e dar cursos, e assim obter a prosperidade que vê no professor.
Seu texto reconstrói rapidamente o nascimento da nova direita cultural e sua aclimatação ao ambiente virtual, processo que teria por efeitos colaterais o descalabro marqueteiro e a transformação da educação em mera ferramenta para cultivo de bem-planejadas autoimagens. Finaliza Josias:
Contra a instrumentalização da vida intelectual, Ronald Robson propõe a educação tendo como objetivo a criação de cultura. Tudo isso pode ser muito bem resumido pela frase por ele citada de Schelling, que diz: “Todas as regras para o estudo se resumem nesta: estude apenas para criar”.
Da Gazeta do Povo Paulo Polzonoff disparou o desafio: “Contra a vida intelectual”: um puxão de orelha necessário na direita. Vai encarar?”. Resume assim o imbróglio:
A questão levantada por Ronald Robson é: de que adianta fomentar uma vida intelectual se ela é estéril ou, na melhor das hipóteses, utilitarista; se ela serve apenas para criar regras e impor estilos de vida rígidos, num evidente estímulo ao que vou chamar aqui de escapismo esclarecido?
Num texto divertido, Polzonoff destaca várias passagens do livro, saúda seu propósito de “corrigir a rota dessa nau de degredados, antes que ela bata nas pedras e afunde sob o peso de tomos e mais tomos cuja leitura é inútil se for tida apenas como ‘manual de conduta’” e conclui com alguns senões. Pois escreve ele que
algumas referências pessoais do autor soam como falta de caridade. Sei que não é, mas soa como. Afinal, se a Nova Direita chega ao ridículo de incluir a “Odisseia” numa lista de livros proibidos por ser uma obra pagã, ou se tem gente discutindo a sério se driblar é ou não pecado (sim, teve isso), não é por mal. É porque, tendo vivido toda uma vida de sofrimento por se expor ao que há de pior na cultura popular, muita gente sente que precisa se proteger. E se protege assim: tratando a cultura como um mapa da salvação e rejeitando tudo o que considera uma influência maléfica em sua vida.
É uma insegurança que precisa ser compreendida. Assim como deve ser compreendido o, digamos, ímpeto empreendedor exagerado de muitos mestres legítimos e vocacionados. Afinal, o fato de muitos deles cederem às tentações da fama, do dinheiro e do poderzinho de humilhar seguidores no Instagram é reprovável, mas também é muito... humano.
Aceito de boa vontade a crítica. É coisa que cheguei a discutir com um amigo: será que, ao reagir dessa maneira aos problemas que hoje acossam a nova direita, não estou falando apenas a um público já potencialmente crítico de todos os fenômenos que ataco em meu Contra? Será que a pessoa média que serve de ilustração do problema da “vida intelectual” não encontrará no livro ainda mais elementos para reforçar o seu fechamento a qualquer visão da cultura que não seja aquela coisa toscamente apreendida sob a forma de caminho de virtude?
É um risco. Dias atrás alguém me dizia, por exemplo, ter gostado das últimas partes do livro, mas que nem por isso estaria disposto a ler alguns dos autores citados ali. Por outro lado, venho recebendo mensagens e e-mails de umas tantas pessoas que me agradecem por lhes ter aberto os olhos para o que se passa no momento e para o que seriam outras vias de acesso ao mundo da cultura.
Contra a vida intelectual vai caminhando nessa corda bamba. Às vezes irá virar para o lado certo, às vezes não. Às vezes a culpa será do autor, às vezes do leitor. E assim seguimos.
Fico feliz com a repercussão do seu livro. É preciso "desbaratinar" esse puritanismo das patotas, criar outro ambiente para as pessoas simplesmente viverem sem precisar trocar um código de correção por outro. Reencontrar valores comuns, não reinventar a roda. Ao mesmo tempo é preciso que os vocacionados para o estudo saiam de seus escritórios virtuais e aprendam a ser sal da terra e luz do mundo nas realidades em que as pessoas vivem.